Propaganda - Disputa pela opinião pública

Diante da crescente conscientização em relação aos riscos dos agrotóxicos, as multinacionais do ramo têm investido cada vez mais em melhorar sua imagem. As estratégias de propaganda empregadas nos últimos anos são diversas e envolvem o financiamento de produtos culturais, como novelas, enredos de escolas de samba e músicas.

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Infográfico - Pesquisando Agrotóxico

A disputa pela produção de alimentos livres de agrotóxicos tem no campo simbólico um de seus principais palcos de batalha. De um lado, o agronegócio busca retratar o modelo de agricultura industrial como símbolo de avanço, modernidade e fartura na produção de alimentos, sendo os agrotóxicos ora produtos da mais elevada e segura ciência, ora uma espécie de “mal necessário”. Do outro lado, movimentos sociais e cientistas buscam expor à sociedade os riscos deste modelo de agricultura, apontando caminhos para a produção de alimentos em benefício da sociedade e em harmonia com a natureza.

Em 2011, o movimento “Sou Agro” recorreu a atores famosos e propagandas em horário nobre buscando conectar os alimentos consumidos no dia a dia com a produção do agronegócio. “No Brasil todo mundo tem uma fazenda. A minha fica aqui, bem no meio da minha cozinha. É só abrir a geladeira”, dizia uma das propagandas, num país onde 1% dos proprietários de terra possuem quase 50% das terras e, segundo o Movimento dos Sem-Terra (MST), 100 mil famílias aguardam acampadas por um pedaço de terra".

A esta iniciativa, seguiram-se várias, como a campanha “Time Agro Brasil”, estrelada por Pelé, e financiada pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Desta vez, um dos motes era associar a agricultura familiar ao agronegócio, buscando mostrar que os dois modelos de produção são complementares. Nesta mesma linha, o enredo de 2013 da escola de samba Vila Isabel, patrocinado pela Basf, trazia elementos da agricultura camponesa - “enxada”, “roça”, “fogão à lenha”, “bolo de fubá” - junto a conceitos do agronegócio, como “celeiro do mundo”, “alimentar o mundo”. A Vila Isabel sagrou-se campeã do carnaval carioca naquele ano.

Neste sentido, alguns materiais produzidos pela sociedade civil e pela academia conseguiram quebrar as barreiras da comunicação e atingir um público mais amplo, questionando a hegemonia do agronegócio. Podemos destacar os documentários “O Veneno está na mesa 1 e 2” (2011-2014), dirigidos por Sílvio Tendler, o “Dossiê Abrasco” sobre impactos dos agrotóxicos na saúde (2015), o atlas “Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e conexões com a União Europeia” (2017), de Larissa Bombardi, e a plataforma “Chega de Agrotóxicos”, que desde 2018 reuniu quase 2 milhões de assinaturas contra o Pacote do Veneno. Essas ações, somadas ao constante noticiário relacionando desmatamento, queimadas e trabalho escravo ao avanço da fronteira agrícola e pecuária, forçou o agronegócio - empresas, associações de grandes produtores, bancada ruralista, entre outros - a investir de forma massiva na melhoria de sua imagem perante a sociedade, ampliando sua estratégia para outros produtos culturais.

A partir de 2016, a Rede Globo entra na disputa, lançando a novela Velho Chico. O enredo trazia elementos do latifúndio atrasado, do agronegócio moderno, e ainda da agricultura sintrópica. Já nos intervalos, eram apresentadas propagandas das empresas do agronegócio. Em seguida, a Rede Globo lançou a campanha Agro é Pop, que se tornou um marco da emissora, buscando mostrar que o agronegócio é onipresente, inclusive na agricultura orgânica. Desde então, outras novelas reproduziram a temática, como a regravação de Pantanal (2022) e Terra e Paixão (2023).

Também em meados da última década, a disputa simbólica se materializou no Legislativo. O projeto de lei 3200/2015, de autoria do deputado federal Covati Filho, propõe pela primeira vez a revogação da Lei de Agrotóxicos (7802/1989) e sua substituição pela Política Nacional de Defensivos Fitossanitários. Para além da completa desregulação do setor, a mudança do nome “agrotóxico”, cuja adoção representa uma vitória do movimento ambientalista, para “defensivo fitossanitário” tinha papel central na busca pela melhora da imagem destas substâncias, relacionando-as à “proteção” ao invés do atual “tóxico”. O termo é amplamente empregado na novela Terra e Paixão, que retrata a produção de soja.

A frente de batalha cultural do agronegócio de maior destaque, atualmente, é a música. O lançamento da música sertaneja Agro é Top, da dupla Léo e Raphael, iniciou o movimento hoje chamado de “agronejo”, que busca exaltar o agronegócio e símbolos do seu modo de vida. Nas palavras dos próprios autores, o objetivo do movimento é resgatar a imagem do agronegócio diante das críticas da sociedade. Nos últimos anos, também têm surgido estratégias em apoio direto ao consumo dos agrotóxicos. É o caso do livro “Agradeça aos agrotóxicos por estar vivo”, lançado em 2017 pelo jornalista Nicholas Vital, amplamente propagandeado por parlamentares de extrema direita.

É importante lembrar que uma parte do investimento em cultura realizado pelas empresas de agrotóxicos é dinheiro público e se dá através da Lei Rouanet. Desde a criação da lei até hoje, as maiores empresas de agrotóxicos atuantes no Brasil já aplicaram mais de R$ 142 milhões. Tamanho investimento do agronegócio nos setores da cultura, contudo, pode não ter surtido o efeito desejado. Em 2016, pesquisa de opinião realizada pelo Ibope, sob encomenda do Greenpeace, mostrou que 81% dos brasileiros têm percepção de que a carga de agrotóxicos aplicada nas lavouras é “alta” ou “muito alta”. Já em 2019, pesquisa Datafolha mostrou que ​78% dos brasileiros pensam que o consumo de alimentos com agrotóxicos é inseguro para a saúde humana. Para 72% dos entrevistados, os alimentos produzidos no Brasil têm mais agrotóxicos do que deveriam.